meta name="robots" content="noindex" /> Contraculturalmente: agosto 2006



OUTROS CULTOS 15: BIBLIOTECA DA PUNHETA

quarta-feira, agosto 30, 2006
Peniche. Primeira metade dos anos 90. Não era uma localidade muito simpática para o desenvolvimento saudável dum jovem adolescente. Existia já na altura uma onda de criminalidade e delinquência juvenil em franco crescimento, mas os bandidos procuravam especialmente roubar uns trocos para comprar bolos e uns cromos repetidos do Campeonato Nacional 1993/94, ao contrário dos de agora que procuram furtar telemóveis e ténis de marca. Entre os piores bairros de Peniche, destacava-se o adequadamente apelidado Bairro do Cambodja.

O Cambodja, originalmente o Bairro Andrade o início do século XX, depois rebaptizado como Peniche III e mais recentemente conhecido como o super-feliz Bairro do Arco-Íris, era a Meca dos malandros Penichenses no final do século passado. Localizado bem no centro da cidade, evitá-lo revelava-se uma tarefa bem complicada, e os assaltos e extorsões sucediam-se naturalmente. Era de importância fulcral conhecer alguém de lá para se poder sobreviver sem mazelas de maior. E eu consegui tornar-me amigo de uma das personagens mais ricas e míticas desse local. A minha ligação com o submundo do Cambodja era o PP (chamemos-lhe assim para proteger a sua identidade).

O PP era um indivíduo de mau aspecto e cego de um olho, porém muito bem falante e com uma sabedoria de rua incrível. Dentro do Cambodja, era respeitado pelas mais diversas razões:

  1. Por ter esfaqueado um indivíduo que tentara sodomizá-lo;

  2. Por lhe atribuírem a autoria de vários furtos a lojas e superfícies comerciais, acusações essas que nunca seriam provadas em tribunal;

  3. Por proteger os mais novos contra a força bruta dos mais velhos;

  4. Por conseguir chegar ao fim do Street fighter 2 com o Zangief sem perder um pingo de energia;

  5. Por possuir a maior e mais completa colecção de revistas de conteúdo erótico de pornográfico de que há memória na história da humanidade, conhecida como a Biblioteca da Punheta.





PP possuía uma tara bastante acentuada pela pornografia bidimensional, adquirindo dezenas de revistas de teor adulto todas as semanas e furtando outras tantas nos mesmos locais onde as comprava, apesar de jurar a pés juntos que nunca se havia masturbado na vida. Um coleccionista como tantos outros, PP organizava o seu espólio por ordem alfabética e numérica, partilhando-o depois com os seus amigos e vizinhos. A sua janelinha para o pátio interior do Cambodja era uma montra dos prazeres da carne, tão inacessíveis para miudos de 13, 14 anos. Era neste espaço de consulta que muito petiz pôde vislumbrar pela primeira vez na sua vida, não só maminhas e pipis, mas também aquilo de que toda a gente falava mas ninguém tinha ainda visto: o sexo! Disponível para todos, as Revistas 69, Ginas e afins podiam ser alugadas por 50 escudos ao dia (o valor de um jogo de Street Fighter nos salões de jogos ou um quarto do preço das revistas pornográficas da altura), com valentes coimas (monetárias ou físicas) caso as revistas regressassem danificadas, se bem que para os amigos, o empréstimo era gratuito.

E a criançada aprendia que as senhoras verbalizavam o seu prazer com expressões como "Podes ficar a saber, oh pázinho, que estou excitada como um pulginha", enquanto segregavam os "sucos do prazer", prostrando-se "alquebradas". E que bem preparados que ficavam para a realidade dos prazeres da carne!

A Biblioteca da Punheta, entretanto, deixou de existir. Tal como a Biblioteca de Alexandria, esta maravilha dos tempos modernos foi saqueada (por um familiar do proprietário que procurava dinheiro para adquirir estupefacientes), e queimada (pela própria mãe de PP). A Biblioteca, que no seu pico chegou a contar com mais de 30 quilos de revistas, tornara-se meramente um quarto vazio, e PP, desnorteado, resolve recomeçar a vida num outro país. A partir daqui, os relatos que nos chegam são contraditórios. Lavador de pratos em Londres, casado com uma chinesa e praticante de Kung Fu no país de Gales, detido num estabelecimento prisional Escocês, o que é certo é que nunca mais se soube nada de concreto em relação àquele que ficará para sempre conhecido na cidade como o rei das revistas pornográficas. A Biblioteca da Punheta é uma memória distante, porém o seu legado perdurará para sempre na alma de quem a consultou!

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FILME DE CULTO 15: HATED - GG ALLIN AND THE MURDERJUNKIES

terça-feira, agosto 29, 2006
Merle Allin Senior teve uma visão. Um anjo havia descido à terra para lhe contar que a criança que a sua mulher carregava no ventre seria um grande homem, o novo Messias. Merle Allin Senior era um homem religioso, acreditando piamente naquilo que o anjo lhe contara. O seu filho, o novo Messias, o prometido salvador, seria baptizado como Jesus Christ Allin.

GG Allin cresceu e surpreendentemente, não se tornou no prometido profeta, mas sim num ícone da contracultura Punk, no ser mais vil, nojento, violento e odiável de sempre!



Viciado em heroína, naturalmente louco, fascinado pela figura do serial killer John Wayne Gayce, desprovido de qualquer talento, GG Allin sempre foi um ser envolto em controvérsia, metendo os Green Day, o Marilyn Manson e os meninos do Jackass no bolso, se ao menos usasse roupa. Enquanto não estava na prisão por atentado ao pudor e à integridade física, Allin passava o seu tempo entre sessões de spoken-word e concertos com a sua banda, os Murderjunkies. O exemplo da encarnação do espírito Punk perigosamente levado ao extremo, os concertos dos Murderjunkies eram uma autêntica feira de horrores. Em palco, GG Allin mutilava-se (chegando a partir todos os seus dentes frontais com o microfone), rebolava nas suas próprias fezes, inseria todo o tipo de objectos no ânus, lançava cadeiras e objectos cortantes para a plateia e arrastava fãs para o palco, o que poderia resultar em cenas de espancamento ou em sessões de sexo oral. Tudo isto e muito mais pode ser encontrado no documentário de Todd Phillips Hated - GG Allin And The Murderjunkies.



Filmado entre 1988 e 1993, Hated captura os últimos anos da vida de GG Allin, incluindo excertos de concertos e sessões de spoken word (onde se vê que Allin não descriminava sexos, agredindo violentamente uma mulher que o provocara), uma festa de aniversário (que nem me atrevo a descrever), aparições televisivas e entrevistas aos seus fãs, inimigos, família, banda (Dee Dee Ramone chegou a considerar a hipótese de integrar os Murderjunkies, mas nem aguentou duas semanas) e ao próprio GG Allin.

Hated encontra-se disponível nas habituais plataformas de downloads ilegais. Porém, para os interessados, recomendo a compra do DVD, onde temos como bónus o último concerto de GG Allin (uma música e meia), seguido da sua demanda pelas ruas, nú, coberto no seu próprio sangue e excrementos, abraçado aos seus fãs, enquanto procura a dose de heroína que acabaria por ceifar-lhe a vida. Um momento ternurento.

GG Allin não é ficção. GG Allin existiu mesmo. Este documentário não se destina a mentes sensíveis e facilmente impressionáveis. Vejam-no e tirem as vossas próprias conclusões.

Trailer:

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MÚSICA DE CULTO 15: GOMEZ

sábado, agosto 26, 2006
Ao contrário do que o nome da banda poderia indicar, os Gomez são uma banda inglesa nascida precisamente há 10 anos atrás, em 1996, quando um grupo de amigos e conhecidos da escola resolveu juntar-se para dar uns concertos. Reza a lenda que, depois de algumas semanas de ensaio, a banda considerava-se pronta para actuar, apesar de nem sequer possuir um nome denominador. No dia do primeiro concerto, afixaram um cartaz destinado a um amigo onde se lia "Gomez, o concerto é aqui". O público assumiu que era esse o nome da banda e no final do concerto já não havia nada a fazer, os Gomez estavam baptizados.



Os Gomez são então uma banda de Rock, musculado e inventivo a espaços, e no entanto doce e cândido, envolto numa leveza Pop que não carameliza nem enjoa.

A banda possui no seu curriculum 5 albuns de originais, um ao vivo e uma compilação de raridades. Bring It On, o seu album de estreia, venceu na categoria de melhor album de 1998 nos Mercury Prize Awards, à frente de um Mezzanine dos Massive Attack e de um Urban Hymns dos The Verve, facto que remeteu para o semi-obscurantismo a restante obra do conjunto.

O destaque de hoje vai para Split The Difference, de 2004.



O 4º album dos Gomez, Slipt The Difference é um disco de Rock and Roll, cheio de melodias cantaroláveis e harmonias vocais que constituem a imagem de marca da banda. Os estilos musicais encontrados aqui vão desde ao Rock in your Face, à Indie-Pop, à Folk, ao Blues, ao Experimentalismo, às baladas. Nada escapa aos Gomez em neste album, e não encontramos aqui nem uma música fraca. Uma colecção de canções que fazem todo o sentido tanto juntas em cd como soltas num leitor de MP3. Convenhamos que, não sendo um disco inovador, Split The Difference é conta com pormenores interessantíssimos a nível de arranjos e percussão, mesmo sendo esta uma banda com três guitarristas. Qualidade, amigos, qualidade.

Destaque para o single Catch Me Up (vejam o video), These 3 Sins, a optimista e ritmada cantiga Pop, e a Blues Beatleiana de Sweet Virigina, um dos pontos altos do album. Encontra-se com relativa facilidade.

Video: Catch Me Up

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BD DE CULTO 15: X-STATIX

terça-feira, agosto 22, 2006
Peter Milligan é um argumentista de filmes e banda desenhada conhecido pela sua longa colaboração com a DC e pelo surrealismo que imprime às suas obras. Mike Allred é um artista gráfico especializado em banda desenhada. Tendo trabalhado com a Slave Labor e a Darkhorse, o traço de Allred remete-nos para os livros de BD dos anos 50, tendo sido o responsável pela criação do muy amado Madman.

Em 2001, Allred e Milligan receberam uma proposta de trabalho da Marvel, que procurava reciclar os X-Men e seus sucedâneos. À dupla calhou os supostos futuros mutantes, a X-Force, que depois de destruída e reconstruída, passou a ser designada por X-Statix.




O conceito: Os X-Statix eram um grupo de mutantes mais preocupados com os seus direitos de imagem e merchandising do que em salvar o mundo. O grupo era financiado por um multi-milionário que posteriormente vendia os direitos televisivos das suas aventuras num misto de Big Brother com Idolos, pelo que o grupo dividia as suas actividades entre trabalho de mercenário e aparições em festas e eventos. Este comic, arrojado e inovador, trouxe bastantes amargos de boca aos fãs do trabalho habitual da Marvel. No grupo existiam várias personagens homosexuais, e a violência gráfica era algo nunca antes visto na auto-intitulada "Casa das Ideias". Decapitações, desmembramentos, muito sangue vermelhinho e um elenco em permanente rotação. Quando uma personagem começava a tornar-se demasiado popular, morria e era prontamente substituída por outra, o que impedia a identificação do leitor com a série.

Parodiando a cultura Pop e o próprio universo onde se inseriam, Allred e Milligan criaram um grupo de heróis com alguns dos poderes mais ridículos de sempre. Tínhamos Zeitgeist, com o poder de vomitar ácido, Gin Genie, que provocava tremores de terra depois de ingerir bebidas alcoólicas, Phat, um sósia gay de Eminem com o poder de engordar, El Guapo, um rapaz possuidor de um skate com consciência própria, Dead Girl, que tinha o poder de... Er... Estar morta... Entre tantos outros.

A dada altura, chegou-se mesmo a ponderar a inclusão da própria princesa do povo, nada mais nada menos que a Princesa Diana, equipada com a sua super-empatia! Foi nesta altura que a Marvel decidiu acabar com a brincadeira, censurando a ideia e substituindo a princesa por outra personagem mais ou menos semelhante. Allred e Milligan consideraram a intrusão ofensiva, e os X-Statix seriam cancelados após 26 números de subversão e desrespeito pelas regras da decência e da moral!



É por todas estas razões e também pela belíssima arte de Mike Allred que aconselho os X-Statix. Se gostam de um bom livro de super-heróis carregado de humor e malícia, procurem-no enquanto está fresco, pois este material tornar-se-á lendário, visto que a tendência da Marvel é a produção em série de livros iguais com títulos diferentes.

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LITERATURA DE CULTO 15: CARA LH AMAS

sábado, agosto 19, 2006
Hoje há Cara lh amas, de E.M. de Melo e Castro.

amam-no todos
uns porque o têm
bem colocado e ereto
outros porque a foda
sem ele não bate certo

e se o nariz não chega
e os dedos se dispersam
só ele é que é capaz
de entrar todo na toda
discreto e bom rapaz

e os tristes que o não têm
amam-no doutra maneira
distantes e macios
não sabem se se vêm
ou se é só caganeira



Ernesto Manuel de Melo e Castro é um engenheiro têxtil na reforma, escritor de livros técnicos sobre o assunto e poeta experimental. Pioneiro na arte da videopoesia, foi professor universitário em São Paulo até 2001, onde leccionou Infopoesia e Ciberpoéticas da Transformação, bem como Estudos Comparados de Literatura e Língua Portuguesa. Doutourado em Literatura Africana, E. M. de Melo e Castro é autor de uma vasta obra poética, como Poética dos Meios e Arte High Tech, Trans(a)parências, Finitos mais Finitos, Signos Corrosivos e, claro está, o seu livro maldito, Cara Lh Amas: Poemas Eróticos e Sarcásticos, de 1975.

de semântica sêmea
se insinua o sémen
na lacona lagoa lacunar
e da sádica sede se ressente
o sentido
no sentido cunar.

se sádica ou sábia
quem o saberá?
Se salubre salgado
o teu sabor a odre
é a onda do útero
é terra que remorde
a espera do esperma
nas ásperas paredes.

e o significado vem
da fricção rítmica e formal
entre as mucosas rubras
do pénis, da vulva, da boca
ou da anal.

E.M. de Melo e Castro nasceu na covilhã, em 1932.

Mais Cara Lh Amas, cortesia de monsieur Papo-Seco (e quem se atreve a apregoar a inutilidade da blogosfera?):

Os Erros de Eros

Autobiografia Fenómeno- (re) Diana

A Repaga

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